1.º Capítulo

Não sei como aqui cheguei. Não me lembro da minha mão se fechar sobre o metal frio da ponte, nem tampouco de apanhar o metro para aqui chegar. Não me lembro! Provavelmente a maior parte das pessoas diria que fora alguma má escolha. Um momento numa decisão que eu tomara. Mesmo quando eu nem sequer poderia opinar sobre o assunto!

Ainda há o grupo de pessoas que poderia dizer que os problemas se iriam resolver. Que eu não tinha culpa. A culpa de ser assim. Mas agora, ao pensar nisto, só me dava vontade de rir. Que diriam essas pessoas ao me ver na ponte D. Luis I, voltado para o rio? Ainda iriam acreditar que a culpa não era por eu ser como era?

O meu pé escorregou, fazendo-me prestar atenção ao que tinha diante de mim. Aos meus pés. O rio gelado de novembro. Olhei em meu redor. Será que alguém se importava? Claro que não. Eram só turistas. Muito provavelmente até pensavam que eu era alguma aberração de tradição cultural.

Tentei suspirar, mas nem isso conseguia. O meu peito aos anos que pesava. O meu próprio coração parecia contraído, como se sentisse encurralado. Incapaz de se expandir. Respirar tinha-se assim transformado em algo doloroso… e isto desde os meus catorze anos. Impressionante como aos vinte ainda continuava assim. OK, talvez não da mesma forma. Mais difícil. O que é certo, e mesmo tendo pensado por milésimos de segundo que não me lembrava como aqui chegara, eu mentia. Sabia o porquê e o como. Estava tudo já idealizado, quase como que planeado. Há semanas que pensara neste dia. Nesta oportunidade de por termo a tudo. Parte deste acontecimento, o saber que iria chegar, aliviara-me o sofrimento. Mas não totalmente. Servia apenas para mascarar a dor que sentia dia após dia nos últimos anos. No crescer da repulsa que tinha por mim próprio.

Preguei com firmeza as minhas mãos ao ferro, tentando que o vento não se antecipasse ao meu momento. Ao que me iria libertar. Mas aconteceu alguma coisa. Um brilho. Um refletir pelo meu canto do olho.

Virei a cabeça para o meu lado esquerdo, vendo a causa da minha distração. Um reflexo do sol na câmara de uma rapariga atrasara a minha execução. Estaria ela a fotografar-me? Teria ela visto tudo? Teria sido a única a ver? Fora preciso uma lente fotográfica para isso?

Vendo que a observava, perturbada, baixou-a. Esta caiu sobre o seu ventre, desligada para o mundo. Como eu. A rapariga parecia hesitante. Sem saber o que fazer. Como se se tivesse apercebido da invasão do que estava a fazer. Será que ela viria agora ter comigo? Ou seria como os outros pedestres, e ignoraria a sociedade em que nascera?

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